segunda-feira, 11 de março de 2013

O pecado desportivo da vida nacional

Já em 1940, Augusto da Costa alertava-nos no seu livro Os 7 Pecados Mortais da Vida Nacional para os perigos saídos do fanatismo desportivo, criticando:
«Têm-se feito campanhas contra a ferocidade das corridas de toiros; seria também justo fazer uma campanha contra a ferocidade dos hábitos desportivos.»
O mesmo autor acrescentou:
«Há jogos que, não tendo em si nada de selvagens, como o jogo da bola, se tornam, pelo fanatismo dos que o praticam, em verdadeiras guerras de morte. As pernas e as cabeças partidas são o pão nosso de cada dia nos desafios de grande importância; por vezes, o próprio árbitro, autoridade suprema dentro do campo, sai de lá com o corpo tão combalido de pancadaria como o mais entusiasta dos jogadores; e cidades e aldeias passam a odiar-se umas às outras simplesmente por turras desportivas.»
Incidentes entre adeptos do Vitória de Guimarães e do Sporting Clube de Braga
registados durante uma recente partida de futebol. 

As críticas poderão parecer duras, mas infelizmente elas não poderiam ser mais verdadeiras e actuais face aos últimos acontecimentos ocorridos nos nossos estádio de futebol e suas imediações. Como todos sabemos, até à modernização dos estádios portugueses, por altura do Euro 2004, os selvagens adeptos ficavam atrás de inestéticos gradeamentos que procuravam proteger os jogadores e equipas de arbitragem da sua fúria e barbarismo. Contudo, a fé de que o país e os adeptos de futebol teriam desenvolvido uma consciência cívica  aliada a um apuramento do sentido de urbanidade, levou ao gradual desaparecimento de grande parte dessas barreiras defensivas. A paulatina substituição do policiamentos pela segurança privada nos desafios de futebol, salvo os jogos de maior risco como os grandes clássicos, permitiu aos clubes pouparem muito dinheiro. Um motivo de regozijo para os "clubes-empresa" do desporto moderno, numa época em que a demolidora crise agrava velhos problemas financeiros.
As crises económicas originam convulsões sociais, reanimam as rivalidades, instalam o caos, fazem florescer as perturbações da ordem pública através de um ódio nem sempre motivado ou orientado contra os verdadeiros inimigos da sociedade e dessa cada vez mais utópica fantasia designada por bem-comum. Queremos com isto dizer que o desporto, ou melhor, a violência justificada por ele, funciona sociologicamente como uma válvula de escape primária para os problemas de uma sociedade. A História diz-nos que temos razão, assim como os factos que dela interpretámos para chegarmos a estas conclusões. Se a lógica de Gustave Le Bon, autor de Psicologia das Multidões, nos leva a concluir que o desejo de vencer é tão vivo no campo desportivo como militar, a mesma também nos faz reflectir acerca do clima de paz podre que respiramos, num momento caracterizado pela necessidade de mudança. Vivemos num período de acentuada decadência dentro de uma Idade já de si decadente. O retrocesso sócio-cultural e civilizacional está à vista de todos e, pior cego é aquele que não quer ver. Confrontos como os que foram registados no final do mês passado, logo no início do desafio entre o Vitória de Guimarães B e o seu rival Sporting Clube de Braga B, impedindo a realização da partida são sinais disso mesmo. Ódios e rivalidades invocados por meras manifestações desportivas, sobretudo quando materializados de forma primária e violenta, representam sinais claros de decadência, degeneração e deformação psicossocial. Um duro revês face aos nossos históricos princípios civilizacionais e civilizadores. 
Por outro lado, o desleixe e a demissão das suas respectivas responsabilidades por parte do Estado, das direcções dos clubes e das próprias autoridades responsáveis pela manutenção da segurança e da ordem pública, reflectem o estado da nossa nação - sem rei nem lei, sem paz nem guerra. Portugal, o teu redespertar já tarda!          
Como que rematando uma qualquer análise contemporânea em jeito de reflexão face ao presente fenómeno de violência ligada ao mundo futebolístico, Augusto da Costa concluiu, uma vez mais com impressionante acutilância:
«...em vez da mens sana in corpore sano, o que encontramos, como resultado de vários factores conjugados, é abastardamento físico cada vez maior, e embrutecimento intelectual cada vez mais perigoso.» 

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