quarta-feira, 3 de junho de 2015

O confronto ancestral entre o homem e a besta

«...a tourada à portuguesa descende de um culto antigo relacionado com o ar, ao passo que a tourada à espanhola descende do circo romano, onde animais e homens tinham de combater até à morte.»
Rainer Daehnhardt em Páginas Secretas da História de Portugal

Painel de mosaico com uma representação do labirinto e cabeça do
Minotauro, localizado na Casa dos Repuxos, em Conímbriga.

O touro, o javali e outros animais conhecidos pela sua ferocidade foram noutros tempos fundamentais à iniciação guerreira do povo lusitano. O confronto frontal com as bestas, olhando-as nos olhos sem temor da morte, aguardando as suas investidas, mostravam a bravura e a coragem necessária para entrar na idade adulta. Este confronto com a morte tonava-se sagrado ao aliar a solitária iniciação guerreira ao espírito de camaradagem marcial consagrado à protecção dos deuses. A natureza telúrica desses ritos mostra desde logo o apego e enraizamento incondicional à terra, numa leitura que pode ser alvo de inúmeras análises e perspectivas.
Um reflexo desses tempos antigos e desse fundo ancestral é ainda hoje encontrado nos forcados portugueses, responsáveis pela único momento digno do espectáculo tauromáquico. Quando o forcado é colhido e derrubado pelo touro que enfrenta, opondo-lhe a este apenas o seu próprio corpo, um grupo de camaradas apressa-se a conter a força da besta usando o mesmo meio. Não raras vezes o confronto do forcado com o touro torna-se mesmo fatal, sendo igualmente frequentes os acidentes em que o herói, sendo ferido, é de imediato protegido pelos seus companheiros. Estes, imbuídos pelo mesmo espírito de heroicidade, saltam para cima do companheiro ferido, oferecendo os seus corpos como escudos contra as investidas do feroz animal. Afinal, a cada guerreiro Deus deu um camarada. Alguém que está lá, marcando presença a cada momento... Sobretudo nos piores.


Mostra de bravura, companheirismo e camaradagem.

5 comentários:

  1. Sem dúvida,bastante interessante este post.

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  2. http://espectador-portugues.blogspot.pt/2015/06/colinas-eternas.html

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  3. Excerto de um interessante texto de António Telmo, publicado a 20 de Junho de 1972 no jornal O Sesimbrense:

    «Não há nada que David não conheça do que os outros conheçam que mereça a pena conhecer-se. Além disso, há coisas que só ele sabe, porque não as recebeu de ninguém. Foi ele próprio a pensá-las. Imagine-se isto: há séculos que se anda escrevendo sobre toiros e toiradas. Pois até agora ninguém, entre milhões de homens e mulheres, descobriu como nasceram as touradas. Eis o diálogo que, a propósito, se passou entre ele e eu.
    DAVID – As touradas, meu caro amigo, foram feitas não para dominar os touros, porque então seria melhor e mais fácil matá-los a tiro, mas, calcule você!, para dominar os tremores de terra. Nunca ninguém reparou no seguinte, e, no entanto, basta olhar para um mapa: as zonas de toiradas e as zonas sísmicas coincidem, na sua generalidade. Em Portugal, a linha sísmica por excelência sobre o Tejo, de Lisboa até Abrantes; é também a linha fundamental das toiradas, com Lisboa, Vila Franca, Santarém, Salvaterra, etc.… Veja agora a prova pelo negativo: porque é que no Brasil, feito por portugueses, povoado por portugueses, que levaram tudo para lá, desde as cavalhadas e as Festas do Espírito Santo até ao Cristianismo, porque é que o Brasil não tem toiradas? Porque não eram necessárias; no Brasil não há tremores de terra. Já, em contra partida, o México, o Peru, etc. – zonas sísmicas, são uns perdidos pela festa dos toiros.
    EU – Então e o Japão, por exemplo?
    DAVID – Você é estúpido. Isso é outra cultura. Há outra maneira do homem se defender dos sismos. Casas de madeira. E talvez umas danças de que conhecemos muito pouco.
    EU – Umas danças?
    DAVID – Claro. Veja você a Andaluzia, zona sísmica, e o Ribatejo, zona sísmica, como paralelamente às toiradas têm aquelas danças, o fandango e outras, em que batem com o pé na terra, citando a força telúrica, a energia indómita da terra – de que o touro é símbolo – para a dominar.
    EU – !...
    DAVID – Espere! Em Creta, pátria dos “Touros”, acreditava-se que o mugido que acompanhava os tremores de terra era lançado por um monstro subterrâneo, a que chamavam Minotauro. Estava no fundo de um labirinto e foi Teseu que o matou. Teseu! Que belo nome para toureiro!»

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  4. Pois, essa teoria só tem uns pequenos problemazinhos.
    Primeiro, até aos anos 40, 50, Porto e Viseu eram dos grandes centros de touradas do País. No Porto sempre houve praça de touros (às vezes até mais do que uma) e há registos desde o século XVI que falam em três corridas de touros por ano.
    E no Brasil existiram e existem touradas.

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  5. Perdão, no Brasil não existem desde Getúlio Vargas.

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